Entrevista com Victória Grabois, familiar de desaparecidos, sobre o Caso da Guerrilha do Araguaia
Em sua sentença de novembro de 2010, a Corte Interamericana reconheceu a violação de direitos humanos de 62 guerrilheiros do Araguaia, que foram desaparecidos pela ditadura militar. Três deles, são familiares de uma mesma pessoa: Victória Grabois. Fundadora do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ) e incansável lutadora por justiça em relação aos crimes do regime militar, Victória perdeu o irmão, André Grabois; o marido, Gilberto Olímpio; e o pai, Maurício Grabois, comandante da Guerrilha do Araguaia. Nesta entrevista, feita em 30 de outubro de 2020, ela fala da Guerrilha, da Lei da Anistia, da importância da sentença e das violações de direitos humanos que ocorrem atualmente no Brasil.
Como você avalia o comportamento do Estado e da justiça brasileira em relação aos desaparecimentos forçados de membros da Guerrilha do Araguaia?
No meu caso, eu perdi três pessoas. Sou familiar de três desaparecidos políticos. Meu pai, meu irmão e meu primeiro marido. Eu só fiquei sabendo do desaparecimento deles após a anistia, porque eu vivia em São Paulo, na clandestinidade e não sabia o que se passava. O contato que nós tínhamos com o PCdoB foi desfeito no episódio da Lapa. Quem tinha contato comigo e com a minha mãe era o Pedro Pomar, e ele foi assassinado [na Chacina da Lapa]. A Elza Monnerat foi presa, daí perdi todo o contato com o partido. Eu fui tomar ciência de que eles foram desaparecidos quando eu voltei para o Rio em 1980.
O desaparecimento de alguém é algo inominável, né. A gente sabe que a morte faz parte da vida, e você precisa completar esse ciclo, você precisa materializar essa morte, precisa ver a pessoa morta, tem que passar pelo ritual da morte. É doloroso? É, mas faz parte da vida. Agora, você não sabe, a pessoa não apareceu, você não materializa essa morte, então é muito difícil.
E aí no caso, que eles eram desaparecidos políticos, eu iniciei uma luta dentro do Comitê Brasileiro pela Anistia, depois no Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, para localizar onde eles estavam, os restos mortais deles. Saber as circunstâncias das mortes deles, como eles morreram. Quem matou, como foi.
Dentro dessa luta, foi iniciado um processo interno, que nós entramos em 1982 na Primeira Vara da Justiça Federal de Brasília.
Em 2004, como demorou muito, o juiz responsável por esse processo se aposentou. Aí assumiu a Primeira Vara, uma juíza chamada Solange Salgado, ela finalmente deu uma sentença em 2004, uma sentença favorável a nós familiares. O nosso processo era na área cível, nós não pedimos nenhuma reparação pecuniária. Como era 1982, nós pedimos um atestado de óbito, pedimos para que o Estado brasileiro iniciasse as buscas na região do Araguaia, para localizar os restos mortais dos nossos familiares, para que nós pudéssemos dar uma sepultura para eles. Isso era o mínimo que a gente pedia.
E aí, ela foi mais além. Ela deu uma sentença que nos favorecia muito. Ela disse que o Estado teria que ouvir todos os militares de qualquer patente, seja general ou soldado, que participou da repressão à Guerrilha do Araguaia, para nos ajudar a localizar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia.
O governo era do Lula, na época. Nós fomos a Brasília conversar com o ministro da Justiça, que era Márcio Thomaz Bastos, fomos conversar com o advogado-geral da União, que era o Dias Toffoli, para pedir que o governo brasileiro não entrasse com recurso. Mas o governo entrou com recurso e a sentença foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Lá, o relator do processo foi o ministro Teori Zavascki, que em 2007, três anos depois da sentença da juíza, corroborou a decisão, dando sentença favorável a nós familiares. [Determinando] que as buscas se iniciassem, que os militares do Exército fossem ouvidos. Isso em 2007, quando o caso já estava na CIDH.
Por que vocês resolveram buscar a justiça internacional nesse caso?
Nós estávamos em 1995, eram 13 anos, e não tinha nenhum resultado [na ação na 1ª Vara de Brasília]. Aí nós resolvemos apelar para o Sistema Interamericano, para ver se o Estado brasileiro daria uma celeridade a esse processo. Por isso nós resolvemos buscar o Sistema Interamericano. Porque no Brasil, a gente não tinha nenhuma resposta.
A Comissão Interamericana também demorou para aceitar o nosso processo. [Só] depois de longos 13 anos, ela encaminhou esse processo para a Corte Interamericana. Eu acho que na Comissão demorou muito, mas quando a CIDH mandou para a Corte, foi rápido. Ela mandou no final de 2008, em maio de 2010 a Corte me chamou para uma audiência pública na Costa Rica. A sentença saiu em dezembro de 2010.
Nesse dia, eu criei esperança, afinal de contas era uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não é qualquer coisa, né. Pensando que o Brasil iria avançar. Mas nada foi feito, muito pouco foi feito. O Estado brasileiro, até hoje, não cumpriu as determinações da Corte.
Qual a importância da sentença e o que representou esse reconhecimento internacional das violações?
Teve uma importância fundamental a sentença da Corte, [teria mais] se o Estado brasileiro cumprisse. Ela é uma sentença que não abrange somente os guerrilheiros do Araguaia e seus familiares, tem uma abrangência maior.
No Brasil, em 1979, nós tivemos a Lei de Anistia. E essa lei, no parágrafo 1º, artigo 1º, falava dos crimes conexos. Os militares interpretam crimes conexos como os crimes que eles cometeram. Isso não existe em lugar nenhum, só no Brasil.
Eu, por exemplo, cometi crime conexo, porque eu mudei de nome, eu fiquei na clandestinidade, eu estudei com outro nome, entrei na faculdade, trabalhei como professora no governo de São Paulo com outro nome. Mas eu fui anistiada porque o meu crime era conexo da anistia, porque eu fiz tudo isso para sobreviver. Para que eu não morresse, para que o meu filho e minha mãe não morressem.
Aí hoje, quando o Ministério Público entra com ações contra militares, que eles têm provas robustas e consistentes de que mataram vários guerrilheiros do Araguaia, os juízes não aceitam as ações do MPF, dizendo que o crime é amparado pela Lei de Anistia e, muitas vezes, dizem que o crime já prescreveu. Mas, tanto pela Corte quanto pela ONU, crimes de desaparecimento forçado são imprescritíveis, eles duram a vida inteira.
Quando nós familiares estivemosno Araguaia, pesquisando a região onde se deu a guerrilha, nós encontramos uma ossada, em 1991, que somente em 1996 foi reconhecida como sendo da Maria Lúcia Petit. Tanto que na Corte, uma das indenizações é a pecuniária, e a família da Maria Lúcia não ganhou a indenização pelo desaparecimento dela, porque eles conseguiram enterrá-la. Mas o Estado e a justiça brasileira não aceitam essa determinação da Corte.
Então, o que é importantíssimo na sentença da Corte, é que todos aqueles que cometeram esses crimes de violações de direitos humanos, que mataram, sequestraram, ocultaram o cadáver, essas pessoas precisam ser processadas. E no Brasil, nunca um agente público, quer seja militar, quer seja civil, foi processado. E [a decisão da Corte] não abrange somente os guerrilheiros do Araguaia, abrange todos os desaparecidos políticos da ditadura militar.
Manda que o Estado tome medidas de reparação, que esses crimes de desaparecimento forçado não voltem mais. Hoje, tem um número enorme de desaparecidos, só que os desaparecidos de hoje, vítimas da violência do Estado, não são mais os opositores ao regime militar. São as pessoas, como no caso específico do Rio de Janeiro, que moram nas favelas, nas periferias das grandes cidades brasileiras. O desaparecido hoje, é um jovem pobre, negro e favelado.
A Corte exige que o Estado brasileiro crie políticas públicas para que isso não aconteça. Então essa é a importância da sentença do Araguaia. É uma sentença que abrange toda uma política do Estado brasileiro. Não só se refere a nós e aos nossos familiares, mas ao povo brasileiro.
Nenhum governo, nem os governos ditos democráticos... porque depois da sentença da Corte, nós tivemos um governo democrático, que foi o da presidente Dilma Rousseff. Nem ela, que era uma ex-guerrilheira urbana, foi presa política, barbaramente torturada, não tomou nenhuma medida para que esses crimes fossem sanados. Ela não abriu os arquivos da ditadura para saber realmente o que aconteceu. Ela não incentivou o Congresso Nacional a elaborar políticas públicas para que a gente tivesse uma nova política de segurança pública, e uma política pública para terminar com a impunidade.
Você mencionou a Lei de Anistia, que continua sendo um impedimento mesmo após a sentença da Corte. Tanto em relação à lei, quanto às outras determinações da Corte, você considera que o Brasil cumpriu ao menos parcialmente?
O único cumprimento que o Estado fez, como sempre, foi a reparação pecuniária. Foi isso. [O Estado] pagou, indenizou as famílias, num cala boca. A Corte determina que repare as famílias, mas não tem dinheiro que pague uma vida humana. Eles resolveram pagar para ver se as famílias ficavam caladas, mas ninguém se calou.
Outra coisa que eles fizeram minimamente é que foi criado o Grupo de Trabalho Araguaia. Teve buscas na região onde se deu a guerrilha. Mas o governo gastou fortunas e fortunas, gastou milhões de reais, e não achou nada. Agora, o que é mais trágico nisso tudo, é que quem coordenava as idas ao Araguaia era o Ministério da Defesa. Os mesmos militares, que à época da ditadura mataram os guerrilheiros, mataram a população do sul do Pará e do norte de Goiás, atual Tocantins. A corporação que foi a responsável pela repressão é a mesma corporação que iniciou as buscas.
Só no Brasil, não tem país nenhum no mundo em que o Exército... Quem vai procurar os desaparecidos são os civis, são ONGs, são entidades de direitos humanos. Só no Brasil que o próprio Ministério da Defesa é quem foi buscar. Tem pessoas que trabalham na ONU, que ficaram horrorizadas de saber que no Brasil, a mesma corporação que foi a organização repressora, que prendeu, que torturou, que matou, que desapareceu, é a mesma que sai para fazer busca. É uma coisa incoerente.
Depois do final do governo Dilma, com o governo Temer e Bolsonaro, em que pé estão as buscas? Continuam acontecendo?
No governo Temer, ainda aconteceu uma expedição no Araguaia. No governo Bolsonaro, não.
Antes da gente entrar [na Comissão Interamericana], teve a Lei 9.140, que na época do Fernando Henrique [Cardoso], ele dizia que era a Comissão da Verdade. Que não era Comissão da Verdade coisa nenhuma. Mesma coisa, tinha que iniciar as buscas, tinha que procurar os corpos e tinha que indenizar as pessoas. O que ele fez: para essa lei poder ser executada, ele criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que funcionava na Secretaria de Direitos Humanos, depois vinculada ao Ministério de Direitos Humanos.
No governo Bolsonaro, essa Comissão passou para esse ministério da Damares, que é de direitos humanos, da família, de não sei o que é, é ministério de tudo, da criança, do adolescente, do LGBT, dos negros, é uma salada. E o que eles fizeram? Esvaziaram a Comissão, que nem mais se reúne. No governo Temer, ainda teve uma ida ao Araguaia. Mas no governo Bolsonaro, nem se pensa em fazer isso.
Em relação à Lei da Anistia, ainda tem alguma possibilidade de que esse entendimento seja mudado?
A Lei da Anistia é um empecilho a tudo que a gente faz. Agora, eu não acho que tem que ter outra lei. A Lei da Anistia tem que continuar a mesma lei, mas tem que saber interpretá-la. É a mesma coisa... Tem coisas que só no Brasil. O Exército é o repressor e o Exército vai à região da Guerrilha procurar as pessoas. Uma lei de anistia que tem que anistiar os opositores do regime, não os agentes públicos que cometeram crimes de lesa-humanidade. E no Brasil, eles entendem que estão anistiados, que eles mataram em nome do Estado, para proteger o cidadão.
Você vê que na América Latina e em países da América Central, como Honduras, El Salvador, Guatemala, existem políticas públicas criando comissões de busca com pessoas civis, com os familiares, com os companheiros, com entidades não governamentais. Só no Brasil que é esse disparate.
Você considera que, apesar da importância da decisão da Corte, não foi feita justiça?
Não. Aliás, não só no caso da Guerrilha. Em nenhum caso de desaparecidos ou mortos pela ditadura foi feita a justiça. Quando a gente fala de morto pela ditadura, nem todos foram enterrados. Mortos pela ditadura, desapareciam com o corpo do opositor ao regime e entregavam para a família um atestado de óbito dizendo "seu filho é um terrorista". Entregava esse atestado de óbito e inventavam uma historinha, de que morreu em combate, de que ia ser preso, de que fugiu, que tinha cerco, que furou o cerco, que estava dentro de um aparelho, que resistiu à prisão e acabou morrendo. As histórias todas dos mortos são assim, esse teatrinho todo inventado por eles.
Agora, alguns foram enterrados. Marighella foi enterrado, Lamarca foi enterrado, que eram expressivos. Mas outros, esses nem foram enterrados. Então não tem justiça. No Brasil, até hoje, a justiça não foi feita. E nem a história foi contada como devia ser contada.
Você já abordou um pouco isso, mas queria me aprofundar um pouco. Um dos pontos principais das sentenças da Corte são as garantias de não repetição. Você considera que há garantias de não repetição das violações desse caso? Você falou um pouco dos desaparecimentos "modernos", queria que você se aprofundasse.
São as violações de direitos humanos hoje. A violência no Brasil, ao invés de diminuir, cresceu. Então essa é a importância também da sentença da Corte, a política de não repetição. E a gente repete numa escala avançada, matando uma grande parte da população brasileira.
Quando você vai reclamar com esses juízes, nos tribunais de justiça, o que eles respondem? Que a Corte Interamericana não pode estar acima do Supremo Tribunal Federal. Eles interpretam isso. E o Brasil assina todos os pactos. O Brasil assinou um pacto contra o desaparecimento forçado em 1994, que a presidente Dilma somente referendou no ano de 2016, no final, quando ela já ia ser afastada da presidência, porque o processo de impeachment estava sendo encaminhado ao Congresso. Foi um dos últimos decretos que ela assinou, esse pacto contra o desaparecimento forçado.
O Estado tem que garantir a vida, a liberdade. E o Estado brasileiro não garante a vida, não garante a liberdade. Não garante emprego, não garante moradia, não garante saúde. O Brasil está retrocedendo, ao invés de avançar, e não foi só agora no governo Bolsonaro. Agora, você tem as elites no desmantelamento de todo o nosso Estado. Mas os governos ditos democráticos, como de FHC, Lula e Dilma, todos fizeram [acordos com as elites], em nome da governabilidade.
Muitos assessores diziam que os generais brasileiros estavam de pijama, que eles não iam fazer mais nada. Quem é que contribuiu para o Bolsonaro ser eleito? Foram os generais de pijama. Os generais de pijama na verdade tem a idade do meu pai e da minha mãe, que já morreram. Mas tem os capitães, os majores, que devem ter a minha idade hoje. O golpe agora foi diferente, foi um golpe muito mais violento, 58 milhões de brasileiros elegeram esse cara. Eles deram golpe com o aval de 58 milhões de brasileiros. Isso é muito duro. Agora temos aí, os bolsonaristas arrependidos pela rua.
Você falou dos retrocessos e da falta de ações dos governos brasileiros, mesmo de FHC, Lula e Dilma, em relação aos crimes da ditadura. Como você enxerga o cenário para os direitos humanos no Brasil nos próximos anos?
O governo de Lula e Dilma, nada fizeram. O Fernando Henrique, ainda assinou a Lei 9.140, que ele dizia que era a Comissão da Verdade e não era.
E por que que teve a Comissão da Verdade? Quando nós estávamos na Costa Rica, nessa audiência [da Corte] em maio de 2010, o Lula mandou para o Congresso um anteprojeto sobre a Comissão da Verdade. Porque o governo brasileiro sabia, tinha certeza absoluta, que uma das demandas da Corte seria a criação de uma comissão da verdade.
A Comissão da Verdade no Brasil veio muito tarde. Ela apareceu 50 anos depois do golpe militar. E só foi instituída graças à sentença do Araguaia, porque se não, não teria Comissão da Verdade. Mas foi uma comissão que não chamou a sociedade civil para conversar. Os familiares do Araguaia, em particular, tiveram uma audiência só sobre o caso.
O governo brasileiro, tanto Lula quanto Dilma, contratou milhares de pesquisadores, psicólogos, antropólogos e sociólogos. Mas todo o trabalho que eles fizeram, partiu do trabalho dos familiares. A única coisa que eles conseguiram em relação aos desaparecidos políticos, foi que aqui no Rio de Janeiro tem o cemitério Ricardo de Albuquerque, que eles pegavam nossos companheiros e enterravam numa vala comum, junto com os indigentes. Foi o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro que descobriu essa vala. Criamos um memorial em 2011, o único feito por entidades de direitos humanos, com a ajuda da prefeitura do Rio de Janeiro. A Comissão da Verdade só descobriu isso, que tinham desaparecidos [no cemitério].
Um menino de 19 anos, que era estudante secundarista, que a mãe dele é uma das fundadores do GTNM/RJ, descobriram no cemitério a documentação de que ele também havia sido enterrado lá. Nem chamaram a família para dizer que tinham encontrado a documentação dele. A mãe já morreu há muitos anos, e as irmãs da mãe, de 80 para 90 anos, receberam a notícia pelo Jornal Nacional. Quase que elas têm um infarto fulminante e morrem.
Então, ter uma Comissão da Verdade desse tamanho, dessa magnitude, pra quê? Eu só aponto uma coisa interessante na Comissão: quando ela estava em atividade, se falava muito na Comissão da Verdade. A direita caindo de pau em cima, criticando, e a esquerda dizendo que [a Comissão] fazia ou que nada fazia. Isso teve uma repercussão muito grande, eu senti isso na entidade que eu sou uma das diretoras, que é o GTNM/RJ. Professor de nível médio, professor universitário, aluno de pós-graduação, iam lá fazer pesquisas. E os alunos do ensino médio iam lá para pesquisar, para estudar esse período, que essa criançada nunca conheceu. Era uma loucura, a gente reunia duas, três turmas lá, dava aula para 30, 40 jovens sobre como era a ditadura militar. A Comissão da Verdade só serviu pra isso.
Criar uma Comissão da Verdade só para a questão da liberdade de expressão, [para dizer] que na ditadura tiveram repressores, que tiveram agentes públicos e membros das Forças Armadas que prendiam, que torturaram milhares de brasileiros, que prenderam mais de 50 mil pessoas, que desapareceram com dezenas e dezenas deles... Essas quantidades, quem descobriu fomos nós familiares, militantes políticos, através das organizações que essas pessoas militavam. Lá no Araguaia, exterminaram indígenas.
Quando havia manifestações no Rio, que tinha deixado de ser capital da República há pouco tempo... A essência da política era na cidade do Rio de Janeiro. Quantas pessoas morreram pelas ruas, durante as manifestações que tinham? Essas pessoas foram ocultadas. Quer dizer, uma Comissão da Verdade tinha que descobrir sobre isso. Teve uma vez que uma jornalista da BBC de Londres falou para mim sobre mais de 1500 desaparecidos políticos da época da ditadura. E cadê esses 1500? Criou-se uma Comissão da Verdade para descobrir sobre um único desaparecido. Foi importante descobrir esse menino? Foi. Mas e os outros?
Não teve justiça.