Até o final de 2020, o Estado brasileiro foi julgado em dez ocasiões pela Corte Interamericana. Em quatro desses casos, Guerrilha do Araguaia, Favela Nova Brasília, Fazenda Brasil Verde e Vladimir Herzog, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) foi um dos peticionários.

Fundado em 1991, por defensores e defensoras de direitos humanos da América Latina e do Caribe, o Cejil tem vasta atuação junto ao Sistema Interamericano. A organização também é representante das vítimas dos casos Barbosa de Souza e Sales Pimenta, que foram remetidos pela Comissão Interamericana (CIDH) à Corte em 2019 e em 2020 e aguardam julgamento.

Um antigo manual, produzido pelo Cejil há mais de duas décadas, com o objetivo de auxiliar organizações brasileiras a acessarem o Sistema Interamericano, serviu de guia inicial para este projeto. A plataforma Summa, base de dados sobre os casos que tramitam perante a Comissão e a Corte, igualmente desenvolvida pela entidade, também serviu como material de consulta para o Réu Brasil.

Além do conteúdo disponível na internet, o Cejil também auxiliou este projeto com o esclarecimento de uma série de questões. Na parte 2 de “Perguntas e respostas sobre o funcionamento do Sistema Interamericano” (confira aqui a parte 1, com a Justiça Global), a advogada Thais Detoni, que atua no Cejil desde 2018, tira algumas dúvidas básicas sobre a Comissão, a Corte e a relação do Brasil com os órgãos.

Mestranda em direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-estagiária da CIDH, ela conversou com a reportagem em 17 de setembro de 2020 e em 11 de janeiro. Leia a entrevista abaixo.

Para advogada, Direito Internacional de Direitos Humanos não faz parte da cultura jurídica brasileira, mas cenário está mudando - Foto: Arquivo Pessoal

Quais são os requisitos que fazem vocês levarem um caso à Comissão? Por que vocês peticionam o caso A e não peticionam o caso B?

O Cejil trabalha com o que chamamos de litígio estratégico. Em um primeiro momento fazemos uma análise de situações estruturais, escolhemos casos que simbolizam uma situação estrutural, uma violência que acontece reiteradamente. Peticionamos esse caso representando essa realidade e o objetivo do peticionamento é conseguir mudanças estruturais, para evitar novas violações parecidas, se tratando de casos que acontecem de forma reiterada.

Por um outro lado, o Cejil também tem muita preocupação em relação à reparação das vítimas. Casos em que o direito internacional, o Sistema Interamericano são a última alternativa para reparação dessas pessoas, são casos que também são importantes, enquanto possibilidade de mitigar um pouco as consequências do tipo de violação de direitos humanos que essas pessoas sofreram.

Em geral, o Cejil tenta se concentrar em casos que possam gerar mudanças internas significativas ou fomentar novos parâmetros internacionais em temas que estão sendo questionados no âmbito interno dos Estados. Casos de uma temática, que apesar de não ser [uma violação] reiterada, se trata de um tema que nunca foi analisado pela Corte e seria importante um pronunciamento.

Um manual que o Cejil fez há alguns anos fala que os critérios da CIDH para levar um caso à Corte não são muito claros. Hoje, os critérios, tanto para a Comissão aceitar um caso, quanto para a CIDH enviar um caso à Corte são claros? Quais são esses critérios?

São duas coisas bem diferentes. Para a Comissão aceitar um caso, os peticionários fazem a denúncia e a análise se o caso deve proceder ou não é feita no relatório de admissibilidade. Se a CIDH considera que o caso não é admissível, ele é arquivado perante a Comissão e o processo acaba ali. Se a Comissão considera que o caso é admissível, o trâmite continua normalmente.

Os critérios de admissibilidade são bem delimitados e previstos dentro do regulamento da própria Comissão. Um dos critérios é o peticionário esgotar os recursos internos. Em geral, se acontecer uma violação de direitos amanhã, não se pode denunciar logo depois à CIDH como um caso de violação de direitos humanos. O peticionário precisa pelo menos tentar esgotar os recursos internos.

Existem exceções para esse esgotamento, não são todos os casos em que se precisa esgotar esses recursos. Demora injustificada é um dos motivos. Todas essas hipóteses estão previstas dentro do regulamento, tanto os requisitos de admissibilidade, quanto as exceções a esses requisitos.

Sobre o envio ou não do caso à Corte, no regulamento anterior da CIDH realmente não existiam critérios claros. Hoje, esses critérios estão estabelecidos no regulamento. Em linhas gerais, a decisão do envio do caso à Corte ou não, primeiro deve ser baseada no cumprimento ou não das recomendações emitidas pela CIDH. Em tese, se o Estado está cumprindo as recomendações, demonstrando vontade de cumprir e avançando, isso seria o suficiente pro caso não ser levado à Corte.

Quando um Estado não cumpre com as recomendações da CIDH, hoje os critérios existentes no regulamento para que a CIDH envie um caso à Corte são: a posição do peticionário, a gravidade da violação, a necessidade de se desenvolver a jurisprudência do Sistema Interamericano e o efeito que a decisão da Corte pode ter no ordenamento jurídico dos Estados da região. A CIDH, em geral, tem levado muito em consideração a vontade das vítimas, porque existem fatores emocionais, simbólicos e reparadores envolvendo a sentença, que diferem um pouco do processo da Comissão.

O manual também diz que "a Comissão não é um tribunal de quarta instância". O que essa afirmação quer dizer?

Significa que a Comissão e a Corte não são órgãos de apelação de sentença. Se uma pessoa entrou com uma ação judicial na Justiça brasileira, ele foi julgado em primeira instância, foi julgado em segunda instância, foi pro STJ [Superior Tribunal de Justiça] ou pro STF [Supremo Tribunal Federal], e essa pessoa não está satisfeita com o resultado e não existe mais como reverter essa decisão , não é adequado peticionar isso para a CIDH.

Há critérios objetivos de se a Comissão e a Corte podem analisar aquele caso. Não se trata de um tribunal supranacional que avalia as decisões internas. Ele pode ser recorrido, em caso de violações de direitos humanos previstos nos instrumentos do Sistema Interamericano, mas ele não serve para revisar decisões internas dos Estados.

Também no manual, há um trecho que diz que 'os Estados não comparecem perante à Corte como sujeitos de ação penal'. O que isso quer dizer?

Quando se julga um caso perante o Sistema Interamericano, a responsabilidade objetiva por aquilo é do Estado. Não estamos falando sobre responsabilidade penal de indivíduos, não estamos falando do direito penal internacional, em que se julga uma pessoa no Tribunal de Haia [e essa pessoa pode ser presa]. A gente está falando de Estados que podem ser responsabilizados, por violações de direitos humanos ocorridas inclusive em outros governos, por violações de pessoas que não fazem parte do Estado.

Se um particular viola os direitos humanos de outra pessoa, mesmo que essa pessoa não seja agente estatal, mas existiu uma responsabilidade do Estado, envolvida na tramitação penal desse caso, por exemplo, o Estado pode ser condenado, mesmo que ele não seja o autor que ensejou esses fatos. Quando a gente fala do Direito Internacional dos Direitos Humanos, os sujeitos dessas ações são sempre Estados.

O ex-juiz Cançado Trindade destaca em suas obras que somente os Estados e a Comissão podem peticionar perante a Corte, e faz uma defesa de que isso seja ampliado. Na sua visão, esse acesso deveria ser ampliado?

Eu não li esse texto, então não sei os argumentos que ele usa. [Mas] o Sistema Europeu não tem Comissão. Existiu durante um momento, mas essa Comissão foi abolida. Existem vários fatores envolvendo ter um sistema complexo, com órgãos definidos e que tem atribuições diferentes. Tem coisas similares, mas a atribuição da Comissão é uma atribuição diferente da Corte.

A CIDH tem um papel muito importante na tramitação dos processos. Existem várias amarras envolvendo o processo, que fogem da análise individual do caso. Tem a ver com monitoramento, tem a ver com relatórios temáticos que a CIDH produz. A Comissão em geral tem um bom arcabouço fático, histórico, por ser uma comissão muito antiga, para fazer avaliações bem adequadas.

Existe um problema grave que é o atraso processual, e esse atraso acontece principalmente na etapa da Comissão. Nesse sentido, você ter um sistema que envolve dois órgãos principais, realmente complica e complexifica um pouco a situação.

Eu tendo a achar que o processo perante a Comissão é importante, porque possibilita que uma pessoa primeiro formule o seu caso e aporte a prova previamente ao processo da Corte. Se essa pessoa peticiona à Comissão, e vê alguma certa deficiência no seu caso, ela consegue corrigir essas deficiências antes do caso chegar à Corte.

Ainda, a CIDH tem a atribuição de defender o caso perante a Corte também, ela tem um papel de defesa nesse processo, e esse papel facilita e refina a discussão perante à Corte. Nesse sentido eu acho que essa atribuição da Comissão de levar o caso é interessante, apesar do problema do atraso processual ser muito grave. Tem esses dois pontos que tem que ser levados em consideração.

Os critérios para definir se o mérito é procedente, se o Estado violou direitos, são claros?

Uma analogia: no Brasil você analisa os casos a partir da lei, pega uma demanda e vê se o mérito do caso é procedente ou não em relação à lei, se existiu algum tipo de violação da lei ou não. Na Corte Interamericana, a análise de mérito é feita principalmente a partir da Convenção Americana (CADH). Os juízes utilizam a CADH, e também outros instrumentos do Sistema Interamericano, que também podem ser analisados perante a Corte.

Além disso, a Corte usa muito os parâmetros jurisprudenciais estabelecidos ao longo de todos esses anos que o Tribunal existe. Existe já uma jurisprudência consolidada da Corte em vários temas, como tortura, desaparecimento forçado. Esse tipo de evolução jurisprudencial, acaba se tornando em alguma medida também, parâmetro normativo para que a Corte faça análise. Mas em última instância, a análise de mérito da Corte é feita sempre a partir da CADH.

A aceitação e a análise de provas em um processo da Corte é diferente em relação à aceitação e à análise nos sistemas jurídicos internos?

É bem diferente o jeito que as provas funcionam na Corte e como funcionam internamente num Estado. Primeiro, porque se você vai analisar provas para condenar pessoas específicas, estamos falando aqui de uma coisa muito grave que é cercear a liberdade de alguém. É uma das coisas mais graves que pode acontecer dentro do estado democrático de direito, encarcerar uma pessoa por vários anos. Os critérios objetivos de prova são muito bem delimitados, você precisa ter uma evidência muito clara de que a pessoa é o autor do crime.

No caso da Corte Interamericana, existem vários fatores que devem ser levados em consideração. Os parâmetros de prova, que levam a Corte a dizer se um Estado violou ou não o direito de alguém, são flexíveis, dependendo do tipo de alegação. Dependendo do tipo de direito que for violado, o parâmetro muda.

Casos, por exemplo, de violência sexual. Já é jurisprudência consolidada da Corte, que esse tipo de crime, em geral, só conta com a presença da vítima e do autor, e que por conta disso é muito difícil que exista prova documental. A Corte, dentro da própria análise, já reconheceu que, por conta dessa dificuldade das vítimas de provar que elas foram violentadas sexualmente, os critérios de análise são mais flexíveis, e levam em consideração principalmente a palavra da própria vítima.

Outro caso é desaparecimento forçado, que é um crime que envolve uma violação múltipla, ou seja, é um fenômeno que quando acontece viola conjuntamente vários direitos. Envolve privação de liberdade, tortura, execução extrajudicial e ocultação de cadáver. É um crime que envolve vários crimes. É muito difícil você provar que uma vítima foi torturada enquanto ela foi sequestrada, porque essa pessoa continua desaparecida, não se sabe onde o corpo dela está. São coisas que a Corte leva em consideração pra fazer com que o caso seja possível de ser analisado.

A Corte também leva muito em consideração o contexto. Por exemplo, em casos do Peru, a Corte já levou em consideração contextos do conflito armado interno que estava acontecendo, pra dizer que era provável que aquela pessoa foi vítima de certas violações. A partir de práticas reiteradas do próprio Estado, naquela época, naquele órgão, naquela cidade, etc.

Quais são os argumentos que os Estados, em especial o Brasil, costumam utilizar para se defender na fase de mérito?

Isso depende muito do tipo de violação. O objetivo das exceções preliminares é impedir que a Corte faça uma análise de mérito. Se a Corte entendeu que as exceções preliminares não são procedentes e vai analisar o mérito, o Estado faz a defesa dele como se fosse um advogado do autor mesmo. Ele pega o tipo de violação, e fala que aquilo não aconteceu ou que, apesar de ter acontecido, que não é responsabilidade do Estado.

É comum também que o Estado questione coisas em etapas processuais não oportunas. Por exemplo, pode ser que o Estado questione que aquele caso não foi de desaparecimento forçado, e que por causa disso não deve ser analisado pela Corte. Depende do tipo de crime.

Um argumento muito comum, por exemplo, na demora injustificada pra julgar o caso: o Estado sempre fala que o caso é muito complexo, que demorou porque era muito difícil de julgar, porque se passaram muitos anos dos fatos. São argumentos mais processuais e depende muito do tipo de crime que está sendo questionado. É difícil apontar algum argumento que esteja presente.

Em geral, o Estado tenta se defender ou acontece de admitir a culpa?

O Estado pode fazer isso e já aconteceu em outras oportunidades. Tem algumas formas de reconhecimento de responsabilidade, são tipo e graus de reconhecimento. O Estado pode chegar na Corte e falar que está reconhecendo a responsabilidade por todos os fatos, todas as violações. A Corte emite a sentença mesmo assim, para analisar as violações e as reparações, mas esse tipo de sentença é bem mais curta, porque o Estado já assumiu a responsabilidade, então não tem grandes contradições.

Outra forma de reconhecimento é reconhecer parcialmente a responsabilidade. O Estado pode dizer que reconhece em relação à não investigação dos fatos e não reconhece em relação à morte de uma pessoa, porque não considera que foi um agente estatal que fez isso. E aí, a Corte vai analisar se o Estado é responsável ou não pela violação da morte especificamente.

Tem também a possibilidade do Estado reconhecer a responsabilidade, e por exemplo, os peticionários falarem que esse reconhecimento não é legítimo. O Estado pode falar que reconhece que demorou para processar, mas só demorou para processar porque as vítimas..., e aí imputam uma culpa nas vítimas. Nessa situação, os peticionários podem dizer que não concordam, porque não é um reconhecimento de fato, e a Corte pode ter que fazer a análise de todo jeito.

Mas, em geral, é sempre mais comum que o Estado se defenda de todas as violações.

As sentenças da Corte costumam ser mais cumpridas pelo Brasil do que as recomendações da CIDH?

Existe na Comissão um entendimento pacificado de que as recomendações são de cumprimento obrigatório. Essa é uma questão que foi muito questionada em algum momento histórico, mas que hoje já está ultrapassada.

Os Estados, às vezes, costumam cumprir com as recomendações, o Brasil às vezes cumpre. Os casos que são mais recentes são mais fáceis de ter recomendações cumpridas, porque aí já parte do princípio de que elas são obrigatórias, existe uma diligência um pouco maior no cumprimento dessas recomendações.

Mas de fato, existe uma diferença substantiva entre uma recomendação da Comissão e uma sentença da Corte, isso é inegável. Eu digo isso principalmente baseada em diferenças de tratamento a partir de coisas similares. Por exemplo, temos casos em que existe uma recomendação da Comissão falando que o Estado tinha que reabrir as investigações. E também temos casos , com sentença da Corte, falando a mesma coisa. Na Comissão, o Estado falou que não podia reabrir as investigações, porque um inquérito penal só pode ser reaberto se existirem fatos novos, por exemplo. Já na Corte, o Ministério Público, usando a determinação da sentença da Corte, reabriu o inquérito.

Existe uma diferença de tratamento dos Estados. Não é em relação à obrigatoriedade, porque já está bem claro que ambos são obrigatórios, mas em relação à seriedade que tem os Estados tem em cumprir com uma recomendação da Comissão e cumprir com uma sentença da Corte Interamericana.

Eu não sei te dizer exatamente porquê. Pode ser uma questão do tratamento histórico que essas sentenças e essas recomendações tiveram. A Comissão é um órgão que emite recomendações há décadas, e a Corte [faz determinações] há bem menos tempo, em comparação. Pode ser também relacionado ao número de casos que existem na Corte e o número de casos que existem na Comissão.

A Corte fala com todas as letras que as sentenças são autoexecutáveis e de cumprimento obrigatório. Os Estados, a partir do momento em que a sentença é publicada, que os casos passam para a etapa de supervisão de cumprimento de sentença, tem que obrigatoriamente cumprir com aquela sentença. Obrigatório não quer dizer que o Estado vai fazer. A gente tem alguns casos que, dependendo da temática, tiveram avanços substanciais, e outros que não.

Uma coisa que também chama a atenção, é que a CIDH publica um relatório anual, falando sobre o cumprimento das recomendações, [enquanto] a Corte aprova resoluções de forma não periódica, sobre o cumprimento das sentenças. Caso Araguaia, [cuja sentença] foi publicada em 2010, a única resolução aprovada é do ano de 2014. Depois de 2014, não tem mais nenhuma resolução dizendo se o cumpriu ou não com a sentença. Não quer dizer que a Corte não está pedindo os relatórios sobre o cumprimento da sentença [para os peticionários e para o Estado].

A decisão da Corte pra dizer se a sentença foi ou não cumprida, leva em consideração o fato de que muitos pontos resolutivos da sentença exigem articulação e tempo, não só para cumprir, mas para avaliar o impacto, para dizer se cumpriu com o objetivo ou não.

Eu diria que o Brasil não é um dos países que tem mais vontade em cumprir com as sentenças da Corte, principalmente as determinações de políticas públicas e medidas estruturais, que chamamos de garantias de não repetição. Isso parte muito de uma cultura jurídica brasileira em relação ao direito internacional, que é muito diferente de outros países, na forma como eles encaram as responsabilidades internacionais de Direitos Humanos perante a Corte Interamericana.

Outro fator relevante é que a cultura do Direito Internacional de Direitos Humanos, do Sistema Interamericano, em geral, não faz parte do Judiciário brasileiro. Enquanto você tem outros países que usam sentenças da Corte para justificar certas decisões no âmbito interno, o Brasil está anos-luz atrás nessa temática. É muito raro que os juízes brasileiros, que as autoridades judiciais, levem em consideração os parâmetros e as sentenças da Corte Interamericana para tomar suas próprias decisões. Acho que essa falta de cultura em relação às obrigações do Estado brasileiro, prejudica o cumprimento [das sentenças].

Por outro lado, temos visto uma mudança recente nessa cultura jurídica. Dois exemplos recentes: o entendimento do TRF-1 [Tribunal Regional Federal da 1a Região] de que nos casos de escravidão a prescrição é inadmissível, atendendo o que foi determinado pela Corte Interamericana na sentença do caso da Fazenda Brasil Verde. E o recente posicionamento do Ministro Fachin [do STF] na ADPF 635, que levou em consideração a inércia do Estado brasileiro para implementar pontos da sentença do caso Favela Nova Brasília e diminuir a letalidade policial.

Tem um projeto de lei de 2020 que tenta tornar ‘mais obrigatório’ o cumprimento das decisões da Corte, principalmente as relacionadas a reparações e custas. Você acha que um projeto de lei nesse sentido pode ter um efeito positivo para fomentar o cumprimento das sentenças?

Os Estados podem adotar medidas de direito interno para facilitar o cumprimento das sentenças da Corte IDH e das recomendações da CIDH, principalmente porque muitas vezes esse cumprimento requer a coordenação de vários órgãos dos Estados. Alguns países da região possuem legislação para facilitar essa coordenação, o que é considerado uma boa prática na medida que facilita o cumprimento.

Apesar do nosso entendimento ser de que as sentenças da Corte e as recomendações da CIDH são autoexecutáveis e de cumprimento obrigatório e que não seria necessário novos processos judiciais, é uma boa prática enquanto facilite a coordenação interestatal. Por outro lado, esses projetos de lei precisam ser analisados com cautela e com a participação da sociedade civil para que não tenha o efeito exatamente oposto que é de enfraquecer as decisões dos órgãos interamericanos.

[Nota do editor, adicionada em 13/06/2021, após comentários da banca: não há consenso entre estudiosos do Sistema Interamericano sobre o entendimento de que as recomendações da CIDH são de caráter obrigatório].