Justiça e Tribunais Internacionais
Da Paz de Westfália ao Congresso de Viena
A origem do direito internacional remonta ao século XVII, com a Paz de Westfália (1648), uma série de tratados de paz entre diferentes países europeus. O processo encerrou a Guerra dos 30 anos e consagrou os principais preceitos dos estados-nação modernos, como a soberania, a igualdade e a não intervenção.
Já no início do século XIX, o Congresso de Viena (1814-15) foi um novo marco no desenvolvimento do direito internacional, sendo realizado com o objetivo de redesenhar as fronteiras da Europa e restabelecer a paz no continente após as Guerras Napoleônicas (1803-15). O evento possibilitou a institucionalização e a classificação dos agentes diplomáticos, e impulsionou a codificação do direito internacional e a realização de uma série de conferências entre os países europeus ao longo do século.
As Conferências de Paz de Haia
Outros importantes avanços do direito internacional ocorreram em duas conferências realizadas em Haia, nos Países Baixos. A primeira, em 1899, reuniu 20 países europeus e quatro representantes da Ásia, incluindo a China e o Japão, além de Estados Unidos e México. Proposta pelo czar da Rússia, Nicolau II, com o objetivo de fomentar a ideia de paz e reduzir a conquista armamentista, ela resultou em algumas das primeiras convenções internacionais sobre crimes de guerra e solução pacífica de conflitos entre países. Foi na 1ª Conferência da Paz de Haia em que foi criado o Tribunal de Arbitragem de Haia, a mais antiga estrutura internacional permanente de arbitragem de litígios entre estados.
Oito anos depois, em 1907, Haia recebeu novamente uma conferência internacional, com o objetivo de aprimorar as resoluções da anterior. Dentre os tópicos estabelecidos pelas 13 convenções do evento estão a solução pacífica de conflitos internacionais e a limitação do emprego da força para a cobrança de dívidas. Além disso, a 2ª Conferência da Paz de Haia propôs a criação do que seria o primeiro tribunal internacional permanente, voltado para decidir sobre a apreensão de navios, especialmente em tempos de guerra. Por falta de ratificações, porém, a Corte Internacional de Presas Marítimas nunca chegou a se estabelecer.
Contando com 44 países, incluindo 19 nações latino-americanas, a 2ª Conferência teve atuação destacada do jurista Rui Barbosa, representante brasileiro na reunião. O diplomata defendeu, com notável sucesso, o princípio da igualdade jurídica e da soberania dos estados, ajudando a evitar que as potências militares fossem hierarquicamente superiores na formação de tribunais internacionais.
Corte Centro-Americana
Se em âmbito global, a falta de ratificações impediu a formação da Corte Internacional de Presas Marítimas, na América Central os países obtiveram êxito em formar o primeiro tribunal permanente de direito internacional da história, em dezembro de 1907. Composta a partir da Convenção de Washington por Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua, a Corte Centro-Americana de Justiça iniciou suas atividades em maio do ano seguinte e vigorou até 1918. Além de solucionar controvérsias entre estados e comissionar missões de paz na região, o tribunal também permitia que indivíduos o acionasse em questões ligadas a direitos civis.
I Guerra Mundial e CPJI
As conferências de Haia, assim como outros encontros multilaterais para a promoção da ideia da paz entre o final do século XVIII e o início do XIX não foram suficientes para evitar a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-18). O conflito, que gerou de 15 a 20 milhões de mortes, entre militares e civis, foi encerrado definitivamente com o Tratado de Versalhes [em inglês], assinado pela Alemanha em junho de 1919. Formulado no âmbito da Conferência de Paz de Paris, que se iniciou em janeiro de 1919, o tratado de paz foi ratificado em janeiro do ano seguinte.
Em seus 26 primeiros artigos, o Tratado de Versalhes definiu o estatuto da Liga das Nações, a primeira organização internacional global de caráter permanente, que objetivava garantir a manutenção da paz no pós-guerra. A criação da entidade é preconizada no último dos “Catorze Pontos” [em inglês] do presidente americano Woodrow Wilson, que propunha resoluções para alcançar a paz. No texto, apresentado pelo mandatário e rejeitado pelo Congresso dos Estados Unidos, Wilson sugere a criação de “uma associação geral sob pactos específicos para o propósito de fornecer garantias mútuas de independência política e integridade territorial dos grandes e pequenos Estados”. Apesar de seu país nunca ter ratificado o Tratado de Versalhes, a proposta do presidente americano vingou.
Após a formação da Liga das Nações, nasceu também o primeiro tribunal permanente de âmbito global, não vinculado ao órgão, mas previsto no 14º artigo da convenção da entidade. A Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) teve seu estatuto criado em julho de 1920 por uma comissão de juristas majoritariamente europeia, mas que incluía o diplomata e político brasileiro Raul Fernandes. Aprovado em dezembro do mesmo ano, a CPJI iniciou suas atividades em 1922, com sede na cidade de Haia, após atingir um número suficiente de ratificações.
Ao longo de seu período ativo, a Corte julgou controvérsias de caráter internacional entre os estados que a ratificaram e também emitiu pareceres consultivos, funcionando como um órgão de assessoramento jurídico da Assembleia e do Conselho da Liga das Nações. Diferentemente da Corte Centro-Americana de Justiça, porém, a CPJI não admitiu a possibilidade de indivíduos acionarem diretamente contra os estados.
Ao longo de 18 anos de atividade, o tribunal decidiu sobre 29 casos contenciosos entre países, incluindo dois envolvendo o Brasil, além de emitir 27 pareceres consultivos. Dois também é o número de brasileiros que figuraram entre os juízes eleitos para o tribunal: o destaque da Conferência de Haia, Rui Barbosa, que faleceu antes de assumir o cargo, e o ex-presidente da República (1919-22), Epitácio Pessoa.
Após perder força ao longo da década de 1930, com o aumento das tensões militares entre os países, o tribunal fez sua última sessão pública em dezembro de 1939, logo após a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Em 1946, a Corte Permanente de Justiça Internacional foi oficialmente dissolvida.
II Guerra Mundial, ONU e CIJ
Se a Conferência da Paz de Haia não foi suficiente para evitar a Primeira Guerra, tampouco a Liga das Nações obteve êxito em seu principal objetivo: em setembro de 1939, estourou na Europa a Segunda Guerra Mundial. O conflito, que perdurou até setembro de 1945, provocou a morte de pelo menos 60 milhões de pessoas, entre militares e civis.
Especialmente a partir de 1941, os países que compunham o bloco de Aliados começaram a esboçar o futuro pós-guerra e, ao longo de uma série de encontros e conferências, deram os primeiros passos para a criação de uma nova organização mundial. Entre abril e junho de 1945, antes mesmo da rendição japonesa, que encerrou oficialmente a guerra, os países Aliados reuniram-se na cidade americana de São Francisco, para a Conferência sobre Organização Internacional.
Lá, concretizaram a intenção de criar uma sucessora para a Liga das Nações, com a formulação da Carta das Nações Unidas, assinada pela totalidade dos países-fundadores no final de junho. A Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu oficialmente em 24 de outubro de 1945, após a carta ser ratificada pelascinco principais potências do pós-guerra, nascendo com o objetivo de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra” e “reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem”.
Com a criação da ONU, surge também uma sucessora para a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI). Prevista no 14º capítulo da Carta da ONU, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) nasce para ser o principal órgão judiciário das Nações Unidas.
Tal como seu predecessor, as funções principais da CIJ são o julgamento de controvérsias internacionais envolvendo estados, além da formulação de pareceres consultivos sobre questões jurídicas a pedido da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança da ONU.
O novo tribunal, que teve seu estatuto amplamente baseado no da corte que o antecedeu, está localizado na cidade holandesa de Haia. Assim como o CPJI, somente estados são autorizados a figurar como parte nos processos julgados pelo órgão.
A CIJ é formada por 15 juízes de diferentes nacionalidades, eleitos para mandatos de nove anos, com possibilidade de reeleição. Cinco brasileiros já figuraram entre os juízes do órgão jurídico da ONU: Filadelfo de Azevedo, Levi Carneiro, José Sette Câmara, José Francisco Rezek e Antônio Augusto Cançado Trindade — que ocupa o cargo atualmente, tendo sido eleito em 2009 e posteriormente reeleito.
Desde o início de sua atuação, em 1946, até 2020, a Corte Internacional de Justiça já emitiu 27 pareceres consultivos e apreciou 136 disputas de contencioso entre países, entre sentenças e interpretações, havendo ainda 16 casos pendentes de julgamento. O Brasil aparece como parte em um caso, relacionado à intervenção do país na crise de Honduras, em 2009. Por solicitação do país centro-americano, o caso foi retirado da lista da Corte sem um julgamento.
Tribunais ad hoc e TPI
Sendo a atuação da Corte Internacional de Justiça limitada a controvérsias entre nações, surge também a necessidade do estabelecimento de tribunais que pudessem julgar ações graves cometidas por indivíduos. Na década de 1940, no Pós-Segunda Guerra, tribunais ad hoc cumpriram este papel, como no caso do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, que julgou crimes cometidos por líderes japoneses, e os Julgamentos de Nuremberg, onde líderes nazistas foram sentenciados.
Ao longo da segunda metade do século XXI, a Organização das Nações Unidas impulsionou uma série de iniciativas com o objetivo de criar um tribunal permanente deste tipo. Na década de 1950, uma comissão é formada para formular um estatuto, mas nenhuma organização permanente é efetivamente criada. Tempos depois, nos anos 1970, a ONU aprova resolução que determina que os países deveriam colaborar para que os responsáveis por crimes de guerra fossem julgados e punidos. Já nos anos 1990, duas outras cortes ad hoc foram criadas, desta vez para julgar crimes cometidos na antiga Iugoslávia e também em Ruanda.
É também na década de 90 que esse antigo objetivo é enfim concretizado: em 1998, 120 nações aprovaram o Estatuto de Roma, criando o Tribunal Internacional Penal (TPI). O tribunal foi criado fora da estrutura da ONU, mas mantém relação com a organização. Ativo desde julho de 2002, também com sede na cidade holandesa de Haia, o TPI é responsável por julgar genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão. Desde sua criação, a corte já indiciou 45 pessoas, entre elas o ex-líder libanês Muammar Gaddafi.
O TPI é formado por 18 juízes de diferentes nacionalidades, eleitos para mandatos de 9 anos, sem possibilidade de reeleição. A juíza brasileira Sylvia Steiner fez parte da primeira leva de juízes da corte, exercendo o cargo entre 2003 e 2012.
Sistema universal de direitos humanos
Além do CIJ, a Organização das Nações Unidas (ONU) também possui uma série de mecanismos de proteção aos direitos humanos, entre convencionais — ligados a convenções internacionais, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, por exemplo — e extraconvencionais — ligados a dispositivos relacionados à direitos humanos da Carta da ONU. É o sistema universal de proteção aos direitos humanos.
Entre os mecanismos convencionais, estão vários comitês que supervisionam o cumprimento das convenções e pactos internacionais elaborados no âmbito das Nações Unidas, como o Comitê de Direitos Humanos, ligado ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ligado ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Alguns dos tratados do sistema universal permitem a apresentação de petições de um Estado contra outro. Alguns também permitem a apresentação de petições de vítimas de violações de direitos humanos contra um Estado — caso do Comitê de Direitos Humanos.
Os comitês contam com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, atualmente chefiado pela ex-presidente chilena Michele Bachelet. O Alto Comissariado foi chefiado, entre 2002 e 2003, pelo diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, morto em um atentado em Bagdá (Iraque).
Entre os mecanismos extraconvencionais está o Conselho de Direitos Humanos da ONU, criado em 2006. Entre outras funções, o Conselho possui um sistema de petições individuais para denúncias de violações de direitos humanos. O órgão substituiu a antiga Comissão de Direitos Humanos, criada em 1947.
Sistemas regionais de proteção aos direitos humanos
Fora do sistema universal de proteção aos direitos humanos, ligado à ONU, há também três sistemas regionais, que analisam violações cometidas por Estados contra seus indivíduos: o sistema europeu, com a Corte Europeia de Direitos Humanos; o sistema africano, com a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e com a Corte Africana dos Direitos do Homem e dos Povos; e o Sistema Interamericano, com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Leia mais sobre os dois órgãos interamericanos aqui.
Foto em destaque: Tribunal Penal Internacional