O que são direitos humanos, na opinião de quatro especialistas

O Réu Brasil fala de justiça internacional, de Sistema Interamericano e dos casos brasileiros que chegaram à Corte Interamericana. Em última análise, porém, todo o conteúdo publicado neste site gira em torno de uma mesma “coisa”: direitos humanos. É natural e necessário, portanto, que este site tente responder a pergunta de um milhão de dólares: o que, afinal, são direitos humanos?

Direitos humanos são um conceito; são conquistas; são um discurso; são uma categoria de direitos básicos. São todas essas respostas ao mesmo tempo. Seria pretensioso demais tentar responder a essa pergunta sozinho; seria simplista demais tentar respondê-la a partir de apenas um ponto de vista, ainda que não fosse o de quem vos fala.

Em quatro das entrevistas feitas para este projeto, foi repetida a mesma pergunta – às vezes, acompanhada de ponderações: o que são direitos humanos e qual a sua importância?

Evidentemente, não há a ambição de que essas respostas abarquem todas as concepções possíveis sobre direitos humanos: as quatro pessoas que a responderam são da área do direito; todas elas têm ou tiveram relação com o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, ainda que de maneiras distintas. Mas são quatro pontos de vista que carregam diferenças e que ajudam a entender o que são direitos humanos, na visão de quem dedica parte de sua vida a defendê-los.

Você pode ler as entrevistas completas com cada um clicando no nome do entrevistado. Se você quer se aprofundar no tema, o Réu Brasil recomenda o podcast Cara Pessoa, parceria da Folha de S. Paulo com a Conectas Direitos Humanos.

O que são direitos humanos e qual a sua importância?

Andressa Caldas, diretora de Relações Institucionais do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH) do Mercosul, trabalhou por 13 anos na organização Justiça Global, que representou as vítimas de seis dos 10 casos brasileiros já julgados pela Corte

São conquistas. São conquistas resultado de lutas políticas. E depois elas podem ser escritas em documentos que podem ter, se você olhar ao longo da história, uma normatividade, uma obrigatoriedade, também muito recente. Ela é, em grande medida, concebida como um discurso.

Tem duas formas de você olhar. Se você olhar os direitos humanos com essa perspectiva mais legalista, formal e restritiva, você vai olhar a Declaração Universal. Se você olhar os direitos humanos como processo histórico, resultante de constantes lutas, mobilizações sociais coletivas, eles não se limitam e nem se originam na existência de uma convenção, de um tratado internacional, é muito anterior. Você pode chamar isso de lutas sociais.

O fato de você encapsular na expressão direitos humanos, tem um lado positivo, porque essas lutas sociais passam a ser mais palatáveis. Dentro de uma perspectiva mais liberal, passa a ser enquadrada, então pode ser exigida. Caso você não tenha esse direito garantido pelo Poder Executivo, você pode recorrer ao Poder Judiciário. Se o Judiciário não te atender, você pode então buscar os mecanismos internacionais. Você cria toda uma institucionalidade em torno da garantia desse direito.

Parece muito pós-moderno, mas eu não me aferro a essa visão de que os direitos humanos são o que estão nos tratados, eu acho que isso limita. Eu acho que são modulações de lutas sociais, resultante de mobilizações coletivas e políticas.

Daniel Cerqueira, diretor do programa de Direitos Humanos e Recursos Naturais da Fundação para o Devido Processo Legal, trabalhou por oito anos na Comissão Interamericana

No sentido técnico-jurídico, direitos humanos, não quero ser tautologista, mas é um conjunto de regras e princípios jurídicos que regem a proteção da dignidade humana. A relação, não só entre Estados e indivíduos a partir do marco da dignidade humana, mas também as obrigações dos Estados de cobrarem a eficácia desses princípios e regras na relação entre particulares. Isso que recentemente tem ganhado muito mais contorno jurisprudencial.

Eu acho que os direitos humanos têm que ser pensados também como discurso, na verdade, como uma espécie de abordagem interpessoal, entre indivíduos, e também entre nações. E justamente nesse aspecto de discurso, acho que é um paradoxo, porque normativamente a jurisprudência do Sistema Interamericano nunca foi tão ampla e tão ambiciosa. No entanto é uma realidade totalmente de cristal, é totalmente fora e alheia do aspecto dos direitos humanos como discurso. Em âmbito político-eleitoral, os direitos humanos na América Latina nunca estiveram tão desgastados, tão desacreditados.

O desafio é justamente esse. Trazer um discurso político onde os direitos humanos não gerem anticorpos. Coisas que poucos partidos, frentes políticas têm conseguido nos últimos anos.

Joana Zylbersztajn, trabalhou por três anos na Comissão Interamericana

Direitos humanos são um conceito criado pela civilização. Não são algo que se encontra na natureza. São um conceito. Aí, a construção desse conceito, é feita historicamente. O que são direitos humanos em um determinado momento da história, provavelmente vai ser diferente do que são direitos humanos em outro momento da história. E não só em momentos históricos, mas também em culturas diferentes.

A Declaração Universal talvez inaugure esse momento do conceito de direitos humanos contemporâneo, ao dizer que os direitos humanos são universais, no sentido de que são para todas as pessoas, e que todas as pessoas são iguais, pelo simples fato de serem pessoas. A universalidade passa a ser para seres humanos. Você não pode ter um direito retirado por alguma característica sua, por ser mulher, por ser muçulmano, por ser gay, por nenhum motivo especial. E é construído historicamente por luta, por batalha, por disputa, por avanço.

Estamos em uma permanente evolução dessa resposta, do que são os direitos humanos em seu conteúdo. Mas são um conceito construído historicamente, com base em luta, para definir o que pertence a todo mundo que é gente. Acho que esse seria o meu conceito-resumo.

Rafael Schincariol, consultor no Instituto Vladimir Herzog, com passagem pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Direitos humanos, e quase ninguém fora das nossas bolhas entende, são uma categoria de direitos básicos, assegurados a todo e qualquer ser humano, não importando raça, gênero, classe social, orientação sexual, nacionalidade, nenhum tipo de variante. Em suma: direitos humanos são as categorias de direitos básicos e assegurados a todos, e que deveriam ser vistos como bons por todos nós seres humanos.

A questão mais complexa da sua pergunta, que talvez mais importe, é que como a gente chegou em um ponto em que direitos humanos são entendidos como direitos de bandidos. A gente tem várias explicações pra isso. Uma delas é a questão de política partidária, eleitoral. Alguns grupos, mais ligados à esquerda, levantam essa bandeira dos direitos humanos e isso faz com que se tenha uma reação de outros grupos em torno desse conceito.

A problemática que é colocada por conta de questões ideológicas, políticas, em torno dos direitos humanos é muito complexa. A nossa grande tarefa como defensores de direitos humanos, fora agir dentro de cada um, em suas pautas específicas, é desmistificar essa ideia que foi criada de que direitos humanos são só para algumas pessoas.

Foto em destaque: Reprodução