O Brasil no banco dos réus

Até janeiro de 2021, o Brasil sentou no banco dos réus perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em dez ocasiões. Em nove delas, o Tribunal considerou o Estado brasileiro responsável por violações de direitos humanos previstos na Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos.

Na ordem: Caso Ximenes Lopes (2006), Caso Nogueira de Carvalho (2006, único caso em que o Estado não foi responsabilizado), Caso Escher (2009), Caso Garibaldi (2009), Caso da Guerrilha do Araguaia (2010), Caso Fazenda Brasil Verde (2016), Caso Favela Nova Brasília (2017), Caso do Povo Indígena Xucuru (2018), Caso Herzog (2018) e Caso Empregados da Fábrica de Fogos (2020). Há dois casos em análise, que ainda não possuem página neste site: Barbosa de Souza e Gabriel Sales Pimenta.

O Brasil, diverso, complexo e extenso como é, produz violações de todos os tipos. Na Corte IDH, chegaram casos representativos do vasto universo de ataques a direitos humanos básicos que ocorrem, diariamente, no maior país da América Latina. São violações que vão dos direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal até à liberdade de associação e os direitos ao trabalho e de não ser submetido à escravidão.

Em comum a todos os casos, um mesmo elemento: a contínua denegação de justiça no âmbito interno. Nas nove vezes em que condenou o Brasil, a Corte considerou que o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial das vítimas.

Igualmente diversos são os atores que tiveram seus direitos violados: uma pessoa com deficiência mental, no Ceará; em duas ocasiões, trabalhadores rurais, no Paraná; guerrilheiros contra o regime militar, na região amazônica; trabalhadores submetidos à escravidão, no Pará; homens e mulheres moradores de uma favela, no Rio de Janeiro; um povo indígena, em Pernambuco; um jornalista não alinhado à ditadura militar, em São Paulo; trabalhadoras e crianças trabalhadoras de uma fábrica de fogos, na Bahia. Na maioria dos casos, os familiares das vítimas também foram considerados, eles próprios, vítimas de violações de direitos humanos.

Mais do que “perfis”, porém, são pessoas. Pessoas que tiveram seus direitos humanos mais básicos violados, ou por agentes do Estado, ou com a anuência e a omissão estatal. No Sistema Interamericano, essas vítimas buscaram as reparações e o reconhecimento das violações sofridas que não conseguiram encontrar internamente.

No âmbito do Sistema, porém, essas vítimas também percorreram um longo caminho até terem suas demandas analisadas. Nos dez casos em que o Brasil foi réu, o tempo médio entre a apresentação da petição perante a Comissão Interamericana (CIDH) e a sentença da Corte foi de 12 anos e nove meses, aproximadamente. O mais rápido tramitou por seis anos e quatro meses; o mais lento, por 21 anos e três meses.

Nas nove ocasiões em que condenou o Brasil, a Corte IDH determinou o pagamento de indenizações e a adoção de medidas de satisfação. Em quase todos os casos, determinou que o Estado iniciasse, reiniciasse ou desse continuidade a processos de investigação para, se fosse o caso, responsabilizar aqueles que perpetraram as violações. Em várias sentenças, a Corte determinou a adoção de medidas de reabilitação e de garantias de não repetição, como oferecimento de tratamento psicológico gratuito e mudanças legislativas.

Ainda que de caráter obrigatório, o cumprimento das determinações da Corte pelo Estado não vem ocorrendo de maneira plena.

Em sete dos nove casos, o Brasil efetivou total ou significativamente o pagamento das indenizações devidas – ainda não o fez nos dois mais recentes. O mesmo cenário se repete quanto à publicação da sentença em sites governamentais, no Diário Oficial da União e em veículos de comunicação, uma determinação comum a todas as condenações do Brasil. Nos quesitos indenização e publicação, o Brasil vai bem.

Nos casos em que o Tribunal determinou a instauração ou a continuidade de investigação e de processo penal de responsabilização, o Estado cumpriu o ordenado pelo órgão interamericano. Em nenhum dos casos, porém, os perpetradores das violações foram efetivamente responsabilizados.

Ainda que a Corte IDH não determine que indivíduos sejam necessariamente condenados – já que apenas Estados são sujeitos perante o Sistema Interamericano –, os desfechos de impunidade ou de falta de definição são sintomáticos. Em algumas ocasiões, os processos ainda não foram finalizados, a despeito das violações já terem ocorrido há décadas; em outros, o crime em questão prescreveu, justamente pela demora da Justiça brasileira; em dois, relacionados ao regime militar, foram aplicados excludentes de responsabilidade que vão de encontro às determinações da Corte Interamericana, como a aplicação da Lei de Anistia.

As medidas de reabilitação e de garantia de não repetição, por sua vez, são as com menor índice de efetivação no Brasil. Em nenhum dos casos em que foram determinadas, o Estado as cumpriu suficientemente.


Notas metodológicas

Gráfico 1

  • As violações de todos os direitos civis e políticos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 3 a art. 25), bem como dos direitos econômicos, sociais e culturais (art. 26), estão necessariamente associados aos deveres previstos nos artigos 1.1 (obrigação de respeitar e garantir os direitos) e/ou 2 (dever de adotar disposições de direito interno). Por exemplo: ‘O Brasil violou o direito à vida (art. 4) em relação à obrigação de respeitar e garantir os direitos (art. 1.1), em prejuízo de tal vítima’;
  • Em alguns casos, as violações se referem ao artigo como um todo, e em outros a itens do artigo. Por exemplo: no caso A, o Brasil violou o direito previsto no artigo 5; no caso B, violou o direito previsto no artigo 5.1. Para viabilizar a tabela, cada artigo foi considerado uma única vez, sem a diferenciação;
  • Para tornar viável a classificação, foram consideradas aparições “únicas” de cada um dos direitos nos nove casos em que o Brasil foi condenado. Por exemplo: no caso X, a Corte IDH considerou violado o direito à integridade pessoal (5.1) da vítima falecida; no mesmo caso, também considerou violado o direito à integridade pessoal dos pais da vítima. A violação do artigo só foi contabilizada uma vez na formulação da tabela.

Gráfico 2

  • Nos casos Garibaldi, Fazenda Brasil Verde e Fábrica de Fogos, a CIDH realizou a análise de admissibilidade e mérito conjuntamente. Por padronização, na linha de média é considerado o tempo entre petição-mérito, e não entre petição-admissão + admissão-mérito;
  • No caso Ximenes Lopes, a Corte IDH analisou as exceções preliminares apresentadas pelo Brasil em novembro de 2005, separadamente da análise de mérito, que ocorreu em julho de 2006. Para a formulação da tabela, foi considerada apenas a sentença de mérito;
  • No caso Favela Nova Brasília, foram apresentadas duas petições, uma em 1995 e a outra em 1996. As duas tramitaram separadamente até a fase de mérito, quando a CIDH resolveu analisá-las em conjunto. Na tabela, foram consideradas as datas referentes à primeira petição.
  • A quantidade de meses está arredondada. Por isso, a soma final dos meses pode não bater;
  • Para viabilizar o cálculo de uma média, foi considerado o tempo médio entre petição e mérito, já que, em alguns casos, a admissibilidade e o mérito foram analisados conjuntamente.

Gráfico 3

  • Para tornar viável algum tipo de categorização sobre o cumprimento, foram necessárias adaptações e agrupamentos;
  • As informações utilizadas para verificar o cumprimento das sentenças foram baseadas nos relatórios de supervisão de cumprimento da Corte IDH, bem como em levantamento próprio;
  • Os critérios para a classificação foram feitos de maneira independente e não têm nenhuma vinculação com o disposto nos relatórios da Corte IDH.
  • Critérios:
    • Cumprido: 100% ou quase totalmente efetivado;
    • Razoavelmente cumprido: determinação não foi totalmente efetivada, mas foram tomadas medidas significativas para tal;
    • Pouco cumprido: alguma medida foi tomada para efetivar a determinação, mas não o suficiente;
    • Não cumprida (ou ainda não cumprida): nada foi feito ou o que foi feito não resultou em cumprimento;
    • Não se aplica: nenhuma das determinações da Corte se enquadra na categoria.